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Trabalhadoras e trabalhadores, uni-vos!

28/04/2025

  

Trabalhadoras e trabalhadores, uni-vos!

Palavra de ordem atual para combater ataques neoliberais contra o trabalho e a vida

Rosângela Ribeiro Gil
Redação ABCP
Foto de destaque: Reprodução

Santos (SP), 1º de maio de 2025 – Refleti bastante sobre o título desta matéria de abertura da série Primeiro de Maio: histórias de luta. Para alguns, a frase não faz mais sentido ou é do passado. Outros, vão falar de inclinações comunistas. A contemporaneidade está cercada pela ideologia neoliberal, cuja marca é a regressão, a destruição, a individualidade, o mercado. Por isso, a frase alcunhada por Marx e Engels, no século XIX, mais precisamente em 1848, não faria mais sentido. Mas é exatamente ao contrário, ela está mais atual e necessária do que nunca para reverter o processo de ataques aos direitos sociais, sindicais e trabalhistas. Calarmos não é a saída.

Série “Primeiro de Maio: histórias de luta”
* Trabalhadoras e trabalhadores, uni-vos! – Professor Ricardo Antunes
* Luta coletiva sempre será necessária – Sociólogo Clemente Ganz Lúcio
* Vamos estar atentos e fortes – Jornalista e historiadora Claudia Santiago

A classe trabalhadora está mais viva do que nunca. A luta coletiva, a unidade e a solidariedade são o caminho de direitos e conquistas e para se contrapor aos ataques contra o mundo do trabalho. “É claro que a classe trabalhadora não desapareceu. O capital sem o trabalho humano vivo não se reproduz”, ensina o professor de sociologia Ricardo Antunes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp). Ele é o entrevistado que abre a nossa série comemorativa à data Primeiro de Maio.

Mas os tempos exigem muita atenção. O neoliberalismo não veio a passeio. A destruição humana e ambiental está diante de nossos olhos. O docente adverte para o período mais destrutivo da história do capitalismo: “Se deixarmos o capitalismo fazer o que ele quer, com mais algoritmos, inteligência artificial, robôs, máquinas automatizadas e retirando direitos do trabalho, vamos regredir a formas de exploração, expropriação e espoliação do trabalho típicas do século XIX.”

Nesta entrevista, Ricardo Antunes explica que o neoliberalismo deve ser entendido “como uma etapa de contrarrevolução burguesa”. Iniciado a partir dos anos 1970, com a crise estrutural do sistema capitalista, o neoliberalismo ataca a intervenção do Estado na economia, as regulações sociais protetivas, como a trabalhista. Outra faceta neoliberal é a criação de palavras e contextos funcionais, marcadamente ideologizados, que tem circulação massiva na sociedade pela mídia tradicional.

Seja nos discursos de entretenimento ou jornalístico, de emissoras de televisão, destacadamente, somos impingidos a acreditar que podemos ser empreendedores,  nossos próprios patrões, termos liberdade de escolha e de tempo no emprego plataformizado. E mais: que a luta individual é melhor do que a coletiva, que a proteção social do Estado é ruim e que o mercado é o melhor regulador da vida social. Para arcar com todo esse peso às costas e sozinhos, também nos dizem, precisamos ser resilientes e ter inteligência emocional. E ainda demonstrarmos felicidade no LinkedIn, como se o trabalho sem direitos fosse o paraíso na Terra. 

Autor de obras fundamentais sobre o mundo do trabalho, entre essas “Os sentidos do trabalho”, “O privilégio da servidão”, “Capitalismo pandêmico”, “Adeus ao trabalho?” e “Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0”, Ricardo Antunes traz reflexões importantes para lembrarmos e aprendermos com o passado e compreender o presente para garantir o futuro que queremos. Como ele mesmo diz, nada virá sem luta, unidade e solidariedade entre trabalhadoras e trabalhadores.

Boa leitura!

ABCP – Professor, como resgatar o sentido de classe trabalhadora em cenário neoliberal tão complexo e adverso?
Ricardo Antunes –
O neoliberalismo deve ser entendido como uma etapa de contrarrevolução burguesa. É uma ideologia regressiva que surgiu depois do início da crise estrutural do sistema capitalista, em 1973. De lá para cá, vivemos uma sucessão de conjunturas umas vezes mais e outras menos agudas, mas todas inseridas numa tendência destrutiva de longa duração. Entre os anos 2008 e 2009, a crise volta a se agudizar. Quando se esperava um arrefecimento, tivemos a pandemia da Covid-19, em 2020. Saímos da crise sanitária direto para novos conflitos, como os que envolvem Rússia e Ucrânia [desde 2022 até os dias atuais] e, na sequência, o massacre de Israel a Gaza. Todos esses conflitos têm potencial forte que podem nos levar a uma simultaneidade de guerras e se tornarem incontroláveis.

Dentro desse sistema, podemos dizer, o neoliberalismo é parte da hegemonia do capital financeiro, cujo objetivo em relação ao trabalho é dúplice, pelo menos. Ele quer devastar o trabalho, eliminar seus direitos e fazê-lo de modo a manipular a força de trabalho sem limites. Ou seja, a ideia de que não existe mais classe, de que cada trabalhador ou trabalhadora deve agir isoladamente. Tudo isso faz parte da ideologia regressiva neoliberal.

Mas, atenção, na história da luta de classes não é a primeira vez que ocorre um ciclo de derrotas para os trabalhadores e trabalhadoras. Mas, ainda assim, pode-se obter vitórias. Um exemplo, é a importante greve dos entregadores de aplicativos – ficou conhecida como “Breque dos Apps” – realizada, neste ano, entre 31 de março e 1º de abril. A paralisação foi mostrar toda a mentira que envolve o trabalho das Apps. Ao contrário do que se tenta vender à sociedade, as condições de trabalho são as piores possíveis, falta de benefícios e baixas remunerações.

Alguns ainda duvidaram do sucesso do movimento, mas erraram. A paralisação foi bem-sucedida. Ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora se sente na defensiva, ela vai percebendo, por meio da sua ação cotidiana, a situação se deteriorar e isso gera discussões, debates e reflexões e dá origem a um novo momento de organização.

O capital separa, mas os trabalhadores precisam se unir, sejam eles contratados diretos ou terceirizados.
Ricardo Antunes –
Vou citar um caso envolvendo uma situação na Petrobrás. Há muitos anos, por volta dos anos 1990, participei de um debate em Goiás, estávamos discutindo a criação de centrais sindicais no país. Lembro-me do depoimento de um trabalhador. Ele era terceirizado da Petrobrás e foi tomar café num dos refeitórios da empresa. Quando estava entrando, um petroleiro diz que ele não poderia tomar café ali, pois seu refeitório, o dos terceirizados, era outro. O trabalhador terceirizado respondeu que aquele petroleiro seria um igual a eles.

Importante observar a capacidade de análise do trabalhador terceirizado sobre a conjuntura econômica. Infelizmente, a situação na petrolífera brasileira se confirmou: hoje o número de terceirizados é expressivamente maior.

A classe trabalhadora retoma o seu sentido de pertencimento na sua vida cotidiana. O trabalhador estável precisa perceber que ele tem de ser solidário com o terceirizado, porque ele pode ser igual a ele. E o terceirizado mesmo em condições piores tem que buscar traços de solidariedade.

Outro exemplo, em 1987, nos Estados Unidos, teve uma greve de uma grande empresa, a United Parcel Service, a UPS, uma espécie de correio internacional. A empresa tentou separar e negociar com os trabalhadores estáveis, deixando de lado os terceirizados. A classe trabalhadora se uniu e a UPS teve de atender às exigências de todos os trabalhadores da empresa – estáveis e terceirizados. É assim que a classe trabalhadora mostra que tem consciência.

ABCP – Desculpa a provocação, professor, ainda podemos falar em classe trabalhadora?
Ricardo Antunes –
É claro que a classe trabalhadora não desapareceu. O capital sem o trabalho humano vivo não se reproduz. Não existe, no mundo, uma situação em que se tenha apenas máquinas trabalhando. É impossível. A máquina sempre terá a presença humana, controlando, comandando, acompanhando, arrumando, consertando. Sempre existirá essa interação entre trabalho vivo e máquina, seja numa refinaria, na indústria automobilística ou dos entregadores, por exemplo.

Portanto, pensar no fim da classe trabalhadora, no sistema capitalista, é um completo equívoco. É impossível o capital passar um dia sequer sem o trabalho humano.

ABCP – Tivemos, em 2017, a reforma ultraliberal trabalhista. Passou-se da regulação social pública das relações capital-trabalho para a regulação privatizada, com o discurso de liberdade, da supremacia do mercado em corrigir falhas e chegar ao equilíbrio, do negociado sobre o legislado. Como o senhor descreveria o mercado de trabalho brasileiro pós-Lei 13.467?
Ricardo Antunes –
A reforma trabalhista do Temer ou, como costumo definir, a contrarreforma trabalhista foi uma tentativa, a mais brutal, de desmontar a legislação protetora do trabalho no Brasil. Ela alterou uma centena de artigos da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e o objetivo era desorganizar a classe trabalhadora e destruir os seus direitos.

O que significa fazer o negociado prevalecer sobre o legislado? Se um grupo de trabalhadores, numa fábrica, negocia uma alternativa ao definido pela legislação, isso vai ter uma força maior do que a lei. Isso é criminoso! E só poderia vir de um governo indecoroso como o do Temer.

A contrarreforma de 2017 também reduziu o campo de ação da Justiça do Trabalho, causando obstáculos para ações dos trabalhadores.

A legalização do trabalho intermitente legalizou o ilegal. Deu status legal a um trabalho ilegal. Não é possível um trabalhador ou uma trabalhadora ficar esperando, o dia inteiro, por um trabalho, voltar para casa e não receber nem o dinheiro do transporte.

Aumentaram-se, ainda, as formas de informalidade, a intermitência, ou seja, temos uma massa trabalhadora que trabalha e não recebe pelo trabalho que executa e não tem direitos.

O governo do tenebroso Temer também liberou a terceirização em todas as atividades. A contrarreforma trabalhista foi um retrocesso nas relações capital e trabalho, com evidentes prejuízos aos trabalhadores. A força da classe trabalhadora está na sua união, e não na sua divisão.

ABCP – A hegemonia da nova ordem econômica internacional transforma o trabalho numa mercadoria a ser regida unicamente pelas forças do mercado, visão percebida como uma demolição da sociedade por Polanyi (2021).
Ricardo Antunes –
Estamos vivendo o período mais destrutivo da história do capitalismo. Se deixarmos o capitalismo fazer o que ele quer, com mais algoritmos, inteligência artificial, robôs, máquinas automatizadas e retirando direitos do trabalho, vamos regredir a formas de exploração, expropriação e espoliação do trabalho típicas do século XIX.

ABCP – O que a história do Primeiro de Maio pode nos ensinar em 2025?
Ricardo Antunes –
Primeiro, que só com organização, união e luta a classe trabalhadora poderá se defender. Em 1886, nos Estados Unidos, foi a luta unificada, coesa, coletiva que fez com que a jornada de oito horas diárias fosse conquistada. Atenção, no início do modo de produção capitalista, as jornadas passavam de 14, 16 e 18 horas por dia. Foi preciso a luta de um século ou mais para termos uma jornada de oito horas.

Mas hoje o capitalismo quer que trabalhemos mais e sem direitos. A luta contra a jornada 6x1 é vital. É desumano trabalhar seis dias por semana, oito horas por cinco dias e mais quatros horas no sexto dia, o que totaliza 44 horas ou até mais por semana. E apenas um dia de descanso. Não há vida familiar e social para centenas de milhares de pessoas em todo o Brasil. Pais que não veem os filhos. Casais que não dialogam. Jovens que não conseguem estudar.

A luta pela redução da jornada de trabalho, a 4 por 3, é muito importante. Ela não vai causar desemprego, como dizem os empresários. É mais uma mentira empresarial. Ao invés de termos milhares de trabalhadores com jornadas diárias de 12, 14 ou até 16 horas, como no caso dos entregadores, termos jornadas menores, isso significa criar vagas para aqueles que estão desempregados.

O Primeiro de Maio nos ensina que temos de lutar. Hoje, a luta, primeiro, é pela jornada de trabalho 4x3 contra a nefasta 6x1. E segundo, muitos entregadores e motoristas de aplicativos trabalham sete dias por semana, é 7 por zero, não tem um dia de descanso. É um crime! E isso só se reverte com luta, como o Primeiro de Maio de 1886 e de tantas outras lutas.

Terceiro, nenhum trabalho sem direitos dignos e de verdade. A classe trabalhadora não pode aceitar a destruição dos seus direitos entrando na balela do empreendedorismo e de mentiras assemelhadas, cujo objetivo é aumentar o lucro e a exploração do trabalho.

Esses são os ensinamentos que devemos ter sobre o Primeiro de Maio. Nunca esquecendo que a força da classe trabalhadora não está no indivíduo isolado, mas na sua força coletiva.