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Na lógica atual do capital, numa volta ao passado, tem-se, como objetivo, o retorno rápido e alto e o desprezo pelas condições de trabalho e de salário
Rosângela Ribeiro Gil
Redação Associação Beneficente e Cultural dos Petroleiros – ABCP
Santos, 1º de maio de 2025 – Na celebração de mais um Primeiro de Maio, Dia Internacional de Luta da Classe Trabalhadora, a ABCP, ciente dos desafios atuais para trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas atividades econômicas e dos setores privado e público, traz a sua contribuição com a série “Primeiro de Maio: histórias de luta”. Nela, entrevistas refletem a situação do trabalho no Brasil e no mundo.
Série “Primeiro de Maio: histórias de luta”
* Trabalhadoras e trabalhadores, uni-vos! – Professor Ricardo Antunes
* Luta coletiva sempre será necessária – Sociólogo Clemente Ganz Lúcio
* Vamos estar atentos e fortes – Jornalista e historiadora Claudia Santiago
O coordenador do fórum das Centrais Sindicais, o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ao longo da sua trajetória, acompanhou os principais embates nacionais quando o que esteve em jogo a proteção social, trabalhista e previdenciárias de milhões de pessoas no país. Nesta entrevista, ele apresenta os desafios atuais para se manter empregos de qualidade, as pautas necessárias do movimento sindical brasileiro e como se preparar para embates futuros, como os advindos de uma regressão social e econômica não apenas no Brasil, mas no mundo.
Com vasta contribuição ao movimento sindical brasileiro também como ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicas (Dieese), Ganz Lúcio é referência para trabalhadores e trabalhadoras do país em suas diversas lutas por melhores condições de vida e de trabalho ao longo de mais de quatro décadas de atividades.
Clemente Ganz Lúcio cita os ataques recentes do presidente Trump, dos Estados Unidos, ao impor taxação a produtos de diversos países, como o Brasil, e que indicam a regressão perigosa a um mundo de extrema competição e sem qualquer integração ou unidade. Boa leitura!
ABCP –Como os sindicatos podem recuperar o espaço na vida dos trabalhadores e a luta coletiva?
Clemente Ganz Lúcio – De fato, as transformações no mundo do trabalho são profundas e disruptivas; elas rompem um padrão de desenvolvimento e aportam um novo modelo, estruturado pelas novas tecnologias, pela inteligência artificial e pelas novas formas e técnicas de comunicação. Tudo isso traz um impacto intenso e extenso ao mundo do trabalho.
Creio que o desafio do movimento sindical é, por um lado, trabalhar na construção da pauta da classe trabalhadora em termos de reivindicações e propostas que levem em conta essas mudanças. Nesse sentido, devem contemplar as expectativas sobre tipo e qualidade de emprego, tipo de proteção social, trabalhista e previdenciária e até mesmo proteção sindical.
ABCP – O que a liberalização da terceirização em atividade fim e a Lei 13.467/2017 criaram no Brasil?
Clemente Ganz Lúcio – As mudanças que já estavam em curso na organização da empresa, a inovação tecnológica e tantas outras transformações no mundo do trabalho vieram acompanhadas, em 2017, de duas grandes mudanças. A primeira, e talvez a mais importante, porque a sua extensão é para todo o sistema econômico, foi a liberação da terceirização para qualquer tipo de atividade e de empresa, nos setores público e privado. A medida alterou as possibilidades de contratação e foi complementada pela reforma trabalhista também daquele ano [13.467/2017]. Estavam liberadas e autorizadas, pela lei, quaisquer tipos de contratação. O que se teve foi a legalização de formas precárias de contratação, entre essas, o trabalho intermitente, a tempo parcial, o trabalho autônomo e exclusivo. Expandidas depois com a pejotização [PJ], que hoje está em debate no Supremo Tribunal Federal [STF].
Regras que confirmaram e intensificaram uma flexibilização profunda das relações entre capital e trabalho com desproteção trabalhista, social, previdenciária e também sindical. Essa mudanças têm impactos severos sobre todas as condições de trabalho.
As novas tecnologias geram inúmeros postos de trabalho, mas predominantemente precários, inseguros e vulneráveis. Portanto, temos, hoje, uma expansão do emprego, uma queda no desemprego, mas postos de trabalho de baixa qualidade – em quase 70% deles, a remuneração predominante é de até dois salários mínimos.
Com todas essas mudanças na legislação trabalhista que vimos nos últimos anos, cria-se uma dinâmica de crescimento com baixa qualidade social, trabalhista e previdenciária.
ABCP – Clemente, quem é a classe trabalhadora nos tempos neoliberais no país e no mundo?
Clemente Ganz Lúcio – A dinâmica presente na organização do sistema produtivo e aquilo que foi o processo de acumulação capitalista, industrial, fordista têm uma distinção muito grande. O que temos hoje: 1. a predominância dos empregos no setor de serviços; 2. a reorganização das empresas, e a propriedade delas transitada para fundos de investimentos, que têm outra lógica do ponto de vista do resultado de uma atividade empresarial. Para os fundos de investimentos, o retorno ao acionista é prioridade em relação à estruturação da capacidade produtiva daquela empresa. Isso tudo tem um impacto muito grande sobre toda a organização do sistema produtiva.
Há uma certa ruptura ou uma transição para outro modelo de organização da produção orientado pelos interesses de retorno ao acionista. Há um total descompromisso com a própria estruturação dessas empresas, as atividades produtivas são um negócio organizado para gerar dividendos imediatos.
Não faz parte dessa lógica, o interesse em investimentos e a ideia de que boas relações de trabalho, bons salários e bons empregos geram uma capacidade de consumo que significa ter uma visão mais ampla de país, de mercado interno, de distribuição, visando fortalecer o mercado de consumo. Não é necessariamente isso que orienta as decisões daqueles investidores que têm na empresa a busca de um retorno rápido, com a maior taxa possível.
Portanto, isso muda muita coisa do ponto de vista da organização do processo econômico, das relações de trabalho e da distribuição do produto econômico. É um novo contexto com impactos severos sobre modelos de negociação, de proteção trabalhista. A proteção social e coletiva, inclusive, vem sendo questionada e duramente atacada pela ideia de que cada um se protege individualmente, de que não se precisa de Estado e que tudo pode ser resolvido em relações diretas, inclusive sem mediação dos sindicatos.
ABCP – O que a história do Primeiro de Maio pode nos ensinar em 2025?
Clemente Ganz Lúcio – O Primeiro de Maio é um momento de celebração de histórias e de lutas. De lutas muito duras de enfrentamento, de muito sofrimento, de muitas mortes, para a conquista de muitos dos direitos que temos hoje. Foi a luta da classe trabalhadora que materializou os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários presentes em diversos países, como o Brasil.
O Primeiro de Maio mostra que não há melhorias na qualidade de vida da classe trabalhadora se ela não estiver unida e organizada, se ela não tiver pauta muito clara e capacidade de apresentá-la à sociedade e fazer a disputa necessária, seja na relação direta com as empresas, com os governos e para que as convenções e os acordos coletivos possam materializar condições de trabalho dignas.
ABCP –Como as lutas históricas da classe trabalhadora podem nos redimir do horizonte de destruição do neoliberalismo?
Clemente Ganz Lúcio – Quando as centrais sindicais e o movimento sindical lutam pela proteção à democracia, pela preservação das instituições, pelo fortalecimento do diálogo social, pela capacidade de que as negociações coletivas tratem dos desafios e dos problemas e das pautas apresentadas pelos trabalhadores.
Na verdade, o que eles estão fazendo, de um lado, é defender a ideia de que coletivamente os trabalhadores se organizam pelos seus interesses; e de outro, eles se colocam como sujeitos de uma construção econômica e política fundada na capacidade de produzir e, por outro lado, na pretensão de que o resultado do produto econômico seja distribuído de uma determinada maneira entre lucro e salário.
Vivemos um período em que todas essas ideias estão sendo atacadas e prejudicam toda forma de proteção social e de solidariedade na sociedade.
Tenta-se colocar, no lugar, a busca de um resultado de mercado, da concorrência, da competição, da lei do mais fortes. É o que estamos vendo hoje a partir das estratégias do presidente [Trump] Estados Unidos de taxação de produtos. Ele desmonta a construção da economia mais integrada e articulada. Voltamos a um patamar de competição e concorrência que ninguém imaginava poderia retornar.
Ao movimento sindical está colocado o desafio de interpretar o que está acontecendo e projetar o que pode vir pela frente. Ação fundamental para se desenvolver bandeiras, pautas e formas de organização e de luta. É preciso que nesses contextos difíceis e de ataques a voz dos trabalhadores e das trabalhadoras possa ser apresentada à sociedade e sua força coletiva possa se expressar em conquistas.